O Homicídio da Família Ligonnès
Mais um crime sem castigo. Um Marido e Pai que, supostamente, continua a monte. O que se passou em Abril de 2011 no nr. 55 da Boulevard Robert Schuman, só Xavier saberá. Foi o único sobrevivente dos acontecimentos e o perpetrador pela chacina da sua própria Família.
A cidade de Nantes, localizada no nordeste de França, é conhecida por estar localizada no seio do Vale Loire. É uma das zonas produtora dos melhores vinhos do Mundo e é também conhecida pela sua impressionante arquitectura patrimonial. Composta maioritariamente por casas do século XVIII, é uma das cidades mais tipicamente francesas, com a baixa da cidade presenteada por edifícios históricos. É a sexta maior cidade de França e considerada uma das que oferece melhor qualidade de vida.

Os membros da Família Ligonnès vivam no nr. 55 da Boulevard Robert Schuman, numa casa estreita de 2 andares, na zona abastada do oeste da cidade. Eram uma Família de classe média a viver confortavelmente.
Xavier, de 50 anos, provinha de uma linhagem aristocrata, da antiga nobreza de França. Foi criado no seio de uma Família católica, na rica cidade de Versailles. Foi nessa cidade de que conheceu Agnès, uma linda e elegante jovem, 2 anos mais nova que Xavier.
Namoraram durante muito tempo na adolescência, tendo mesmo ficado noivos mas, antes que o casamento chegasse, Xavier terminou a relação. Disse ter outros planos. Era um jovem amante da cultura americana e da música country e, decidindo concretizar um sonho de longa data, pôs-se de mochila às costas e viajou pela Estrada 66, nos EUA.
Quando regressou a França, em 1989, o casal reencontrou-se. Nessa altura, Agnès já se encontrava grávida de Arthur, estando separada do Pai do menino.
Xavier estava apaixonado e pronto para cuidar de Agnès e Arthur que acabou por adoptar. Casaram em 1991 tendo sido presenteados com mais 3 Filhos: Thomas, nascido a 28.08.1992, Anne nascida a 02.08.1994 e Benoît em 29.05.1997.
A Família viveu em vários locais de França e chegou a viajar, durante 9 meses, pelos EUA antes de assentarem em Nantes, em 2003.
Xavier era um empresário detentor de vários pequenos negócios online, incluindo um sediado em Miami. O negócio principal tratava-se de um guia de restaurantes e hotéis, focado em vendedores ambulantes e camionistas.
Agnès trabalhava em part-time como supervisora numa Escola Primária, dando também aulas de catequese.
Em 2011, Arthur, de 20 anos, o Filho mais velho do casal, encontrava-se a estudar Informação Tecnológica numa Universidade a cerca de uma hora de distância. Vivia na Universidade para evitar as deslocações mas, durante os fins de semana, retornava a Nantes para visitar a Família e para trabalhar numa pizzeria local.
O seu irmão Thomas encontrava-se a estudar música na Universidade Católica do Oeste, na cidade de Angers. Também ele retornava a casa na maior parte dos fins de semana.
Já Anne e Benoît ainda viviam com os seus Pais, estudando numa Escola Católica local.


Na noite de Domingo, 3 de Abril de 2011, com excepção de Thomas, a Família saiu para jantar fora e ver um filme ao cinema. Quando chegaram a casa, Xavier ligou à sua irmã Christine, deixando-lhe uma mensagem de voz onde contava o serão agradável que tinha tido em Família. Terminou a gravação com a seguinte informação: "Vou deitar os miúdos e dizer boa noite a toda a gente. Falamos brevemente... talvez."
Na semana seguinte, os vizinhos notaram que a casa estava peculiarmente sossegada. Os labradores, que ouviam com frequência, tinham deixado de ladrar. As portadas da moradia, que se encontravam sempre abertas, estavam agora fechadas há já vários dias. O Volkswagen Golf preto e conversível de Agnès, também se encontrava estacionado numa rua ali perto há já vários dias.
No dia 13 de Abril, uma vizinha preocupada, contactou a Polícia para que fossem verificar a Família.
Foram 4 agentes deslocados ao local. Na caixa do correio repararam imediatamente na mensagem que tinha sido ali colocada: "Por favor, devolver toda a correspondência ao remetente. Obrigado."
Sendo que ninguém abriu a porta às Autoridades, pediram a presença de um chaveiro, dando-lhes acesso à residência. A casa encontrava-se mais ou menos em ordem. A cozinha e casas de banho estavam impecavelmente limpas, o frigorífico e roupeiros tinham sido esvaziados e as roupas das camas tinham sido retiradas. Algumas fotografias estavam em falta nas suas molduras e muitas gavetas e outros armários encontravam-se praticamente vazios.
Sem qualquer vestígio de rapto ou qualquer outra hipótese que indicasse que a Família podia estar sob stress, parecia que os Ligonnès se tinham mudado.
A Polícia voltou a ser contactada nessa mesma tarde, desta vez, por uma Familiar dos Ligonnès. Tinha recebido uma carta de 4 páginas, escrita em computador, e assinada por Xavier. O documento datava de 08/04/20211.
Também outros membros da Família Ligonnès e vários Amigos, tinham recebido exactamente a mesma carta. Em parte dizia:
"Olá a todos!
Surpresa gigante: Tivemos que partir com urgência para os EUA devido a algumas circunstâncias particulares que explicamos abaixo.
Receberam esta carta pelo correio tradicional pois, durante os próximos anos, não poderemos comunicar de outra forma, por questões de segurança. Quando lerem esta carta já não estaremos em França nem poderemos regressar por um certo período de tempo. Devem estar a pensar no que se está a passar. Segue a história ou, pelo menos, a parte que podemos contar.
Quando criámos a empresa em Miami, em 2003, a pessoa que nos ajudou a criá-la colocou-nos em contacto com a DEA (Drug Enforcement Administration), uma espécie de pelotão anti-drogas com vários elementos no terreno, espalhados por vários países. Procuravam um elemento francês para se integrar na vida nocturna francesa de forma a obter informações acerca das teias de tráfico de droga e lavagem de capitais, sem que chamasse a atenção para si próprios.
Através do meu negócio do guia dei por mim a visitar várias cidades com uma razão legítima para contactar os Patrões da noite, fazendo de mim o candidato ideal. Aceitei a minha missão de trabalhar incógnito para a DEA sob a condição de manter segredo. Correu tudo bem durante os últimos 7 anos, até agora... com as informações que consegui reunir, tornei-me uma testemunha chave num julgamento que vai começar brevemente, envolvendo tráfico de drogas a nível mundial. O julgamento terá lugar nos EUA e deverá começar nos próximos anos, a data ainda não foi determinada.
O importante disto é que recebemos algumas dicas que nos levaram a acreditar que o meu disfarce se encontra comprometido e, infelizmente, tivemos esta confirmação ontem. Portanto, a situação pode ser perigosa para nós, obrigando-nos a tomar decisões de urgência. Quando aceitei o trabalho, aceitei que eventualmente podia ficar sob o plano de protecção de testemunhas e é isso que temos que fazer. Não o fazemos com qualquer tipo de entusiasmo mas porque é necessário e não há outra forma de contornar o assunto. Então, encontramo-nos sob a protecção e custódia do Governo Americano, fomos transferidos para os EUA e temos novas identidades que devem, obviamente, ser mantidas secretas.
Quando lerem esta carta, já não seremos cidadãos franceses! Seremos cidadãos americanos, a viver nos EUA como qualquer outro cidadão americano, excepto pelo facto de estarmos proibidos de contactar Família e Amigos por tempo indeterminado. Pelo menos até o julgamento terminar.
(...)
O mais difícil tem sido a tensão com os miúdos que não puderam contar aos amigos e que estão proibidos de usar o facebook e outras redes sociais online. Tivemos que desistir dos cães. Felizmente houve quem os levasse a ambos, sendo que não ficam separados. As escolas dos miúdos foram avisadas, bem como as Universidades, os nossos Senhorios e os Patrões de Arthur e Agnès. A história oficial é que fomos transferidos para a Austrália a trabalho e não demos mais pormenores. Era bom que espalhassem esta história falsa pelo facebook e outras redes.
Esperemos que isto não se arraste durante muitos anos. É óbvio que vos enviamos todo o nosso amor e que pensamos muito em vocês durante esta separação forçada. Cuidem bem de vocês. Teremos tantas histórias para contar depois de tudo isto.
Xavier, Agnès, Arthur, Thomas, Anne e Benoît.
A parte difícil vai ser conseguirmos habituar-nos aos nossos novos nomes..."
Xavier explicou ainda que a Família tinha levado alguns itens de valor. Já outros, como computadores, álbuns de Família, joias, etc. tinham sido colocados num cofre mas que grande parte tinha ficado na residência, sendo que não houve tempo para recolher tudo. Deixava à consideração do Estado Francês tratar do assunto, tendo deixado a chave da casa no contador, do lado exterior da residência.
Deu indicações para 70% do conteúdo ser levado para uma lixeira mas alguma mobília bastante dispendiosa que tinha sido herdada, deveria ser enviada para a Família de Agnès. Outros itens deviam ser vendidos, incluindo os 2 carros da Família: o Volkswagen Golf conversível e o Citroen Xantia, sendo que os procedimentos tinham sido enviados para a irmã de Xavier, Christine. Um terceiro carro, Citroen C5, não era vendável tendo sido já entregue para utilização de peças. Os serviços contratados para a casa deviam ser cancelados e toda a documentação necessária tinha sido deixada na mesa da sala de jantar. A mesa de matraquilhos e os instrumentos musicais podiam ser divididos pelos voluntários que iam ajudar na limpeza da casa.
Indicou ainda que a canoa, o detector de metais e o entulho que se encontravam debaixo do terraço e jardim não precisavam de ser retirados pois já lá se encontravam quando a Família se tinha mudado para a casa.


Continuou informando que, através do seu trabalho, Xavier vinha a desenvolver um sistema de lealdade para com os clientes dos restaurantes. Encorajou vários amigos a investirem no negócio alegando que iria providenciar um bom rendimento à Família assim que retornassem a França. Pediu a Christine e ao seu marido, Bertram de Verdun que cuidassem das contas da Família onde, nos meses seguintes, cairiam pagamentos acima dos 4.000 euros.
Se inicialmente Christine pensou que a carta se tratava de uma partida, rapidamente se convenceu que era a sério. As listas de tarefas detalhadas eram típicas do seu irmão e, como nunca percebeu muito bem como Xavier ganhava a vida, o facto de ser um agente infiltrado, fez-lhe sentido.
Já o seu marido, Bertram não percebia ou acreditava no teor da carta.
Não entendia o facto da Família ter saído à pressa mas Xavier ter tido tempo de organizar os passos seguintes. Delegou tarefas, deixou a documentação necessário para que pudessem tratar dos assuntos pendentes e ainda teve tempo e a preocupação de dividir os itens da casa, nomeadamente, o que podia ficar para trás. Não lhe fazia sentido.
A Embaixada dos EUA em Paris contactou a sede da DEA. Confirmaram nunca ter ouvido falar em nenhum Xavier Dupont de Ligonnès e muito menos ele e a sua Família faziam parte do programa de protecção de testemunhas.
A Polícia voltou à residência mas, mais uma vez, não encontrou nada em particular que levantasse suspeitas. Parecia apenas que tinham ido embora com uma certa pressa, porém, a linha de tempo dos acontecimentos, levantou algumas suspeitas.
- Domingo, 3 de Abril de 2011: o casal levou Arthur, Anne e Benoît para jantar fora e ver um filme no cinema. Thomas não estava na reunião de Família sendo que tinha ficado na Universidade durante esse fim de semana.
- Segunda, 4 de Abril de 2011: Xavier informou o Patrão de Agnès que esta se encontrava doente com uma gastroenterite e não podia ir trabalhar. Na tarde desse mesmo dia, Xavier enviou uma mensagem ao patrão da esposa a informar que Agnès tinha piorado e tinha sido hospitalizada. Quando os seus colegas tentaram contactá-la, receberam uma mensagem do telemóvel de Agnès a informar que estava incontactável enquanto permanecesse no hospital.
Nesse mesmo dia, 04/04/2011, Xavier contactou a escola de Anne e Benoît a informar que não podiam ir à escola durante os dias seguintes pois encontravam-se doentes.
Nessa noite, dirigiu até à Faculdade de Thomas levando-o a jantar fora. Segundo testemunhas, ambos foram simpáticos com os funcionários mas mal comunicaram entre eles. Thomas teve que se levantar da mesa, a uma certa altura, e ir apanhar ar. Disse estar maldisposto.
- Terça, 5 de Abril de 2011: Thomas estava em casa de um amigo quando recebeu uma chamada do seu Pai. Informou que Agnès tinha sido hospitalizada depois de ter tido um acidente de bicicleta. Apesar dos ferimentos não serem graves, Xavier insistiu que Thomas viesse visitar a Mãe.
No mesmo dia, Thomas apanhou o comboio pelas 22h30 e saiu na estação de Nantes pelas 23h00. Xavier já se encontrava à sua espera. Ambos chegaram a casa pelas 23h45.
Nesta data, 05/04/2011, um dos colegas de Arthur contactou directamente Agnès para saber do jovem. Obteve a seguinte resposta: "Olá. Não te preocupes. Arthur foi com o seu Pai para perto de Paris, para o ajudar numa mudança. Ele esqueceu-se do telemóvel em casa e o meu Marido esqueceu-se do carregador. Nós dissemos à escola que ele tinha tido um acidente na scooter. Voltará no sábado a trabalhar na pizzeria. Tem um bom dia."
- Quarta, 6 de Abril de 2011: duas colegas de Agnès decidiram fazer-lhe uma visita para saber do seu bem-estar. As portadas do seu quarto estavam fechadas mas havia luz num dos quartos no piso de cima. Na porta estava um pedido para que não tocassem à campainha sendo que as crianças também se encontravam doentes. As mulheres bateram à porta mas, não havendo resposta do lado de dentro, acabaram por desistir.
Pouco depois, o telemóvel de Agnès mandou mensagem a essas colegas, dizendo que ainda se encontrava muito doente e que não iria trabalhar nos próximos dias.
Nesse dia, 06/04/2011, um colega de Thomas mandou-lhe uma mensagem para saber como estava e se queria passar pela casa dele. O telemóvel de Thomas mandou um sms, pouco depois, a informar que não iria pois encontrava-se doente. Mais tarde, enviou outra mensagem a dizer novamente que se encontrava muito doente e que, por isso, não ia às aulas.
No dia seguinte, 07/04/2011, uma terceira mensagem foi enviada. Dizia estar a ficar sem bateria e que o seu Pai ia arranjar-lhe um novo carregador.
O Amigo do jovem considerou as mensagens estranhas e impessoais, nada típico de Thomas.
Tal como os seus irmãos mais novos, também Arthur não tinha comparecido às aulas. Os seus colegas tentaram contactá-lo mas foi Xavier quem atendeu o telefone dizendo que o rapaz estava hospitalizado devido a um acidente numa scooter.
Durante estes dias, Xavier esteve activo no computador, enviando emails a um amigo de longa data, Vincent, oferecendo-lhe uma parte dos seus negócios. Precisava de uma resposta urgente sendo que ia concretizar o seu sonho de se mudar com a sua Família para os EUA. Partiriam no dia a seguir. Vincent aceitou, obtendo os códigos de acesso aos vários sites de Xavier.
Respondeu também a um email do seu cunhado, Bertram, em que perguntava pela Família. Xavier respondeu normalmente, dizendo que tudo ia bem.
Na segunda feira, dia 11 de Abril, Xavier foi visto no campus da Universidade de Arthur. Nessa madrugada, o seu Citroen foi avistado em alta velocidade em direcção à Universidade de Thomas. Às 9 da manhã, o homem foi visto a recolher os pertences de Thomas do seu dormitório.
No dia 11 de Abril, a Escola de Benoît e Anne recebeu uma carta com um cheque que cobria os honorários de ambos até ao final do ano escolar. Em anexo seguiu uma carta escrita por Xavier onde explicava que a Família ia para a Austrália por motivos de trabalho do Patriarca.
As Universidades de Thomas e Arthur receberam cartas semelhantes, tal como os Patrões de Agnès e de Arthur.
Vários colegas, amigos e familiares tentaram contactar a Família mas sem qualquer sucesso.
Dois Familiares foram novamente à casa dos Ligonnès, encontrando a chave dentro do contador mas, tal como a Polícia, não encontraram nada que lhes desse uma pista acerca do paradeiro da Família.
Foram todos dados como desaparecidos.
Investigadas as Finanças da Família, apesar de parecer que viviam confortavelmente, os Ligonnès estavam atulhados em dívidas. Xavier tinha gasto a sua herança a tentar montar os seus negócios que, sem grande sucesso, davam mais despesas do que rendimentos.


Em 2009, a Família registou nas Finanças um rendimento anual de 5.000 euros. No ano seguinte, os dividendos foram de apenas 4.000 euros.
Só a renda da casa ascendia os 18 mil euros anuais. Para mais, existiam as despesas fixas habituais, alimentação e as escolas dos miúdos.
A Família tinha conseguido viver através de empréstimos de familiares. Para além disso, Xavier tinha aberto várias contas em Bancos diferentes, sob diversos nomes. Contratou vários créditos e cartões de crédito, esgotando todos os seus planfonds.
Nos dias 18, 19, 20 e 21 de Abril, a Polícia voltou à residência da Família.
Encontraram vários recibos de compras duvidosas, efectuadas durante as semanas anteriores ao desaparecimento da Família. Incluíam sacos de lixo de grande capacidade, lajes adesivas, uma pá, uma enxada, cimento e 410 kg de cal.
Também conhecido como óxido de cálcio, o cal é conhecido por prevenir o odor e, ainda que erradamente, tem também a fama de acelerar o processo de decomposição de restos mortais.
Na quinta-feira, dia 21 de Abril, o nr. 55 da Boulevard Robert Schuman foi encerrado pelas Autoridades.
Nas traseiras da residência, existia um pequeno terraço seguido de um pequeno quintal. Debaixo do terraço, mesmo junto à casa, podiam ver-se amontoados de folhas de árvores e alguns objectos que Xavier tinha deixado claro na sua carta, que não valia a pena serem movidos. Existiam também várias placas de madeira prensada, bloqueando o acesso às fundações da casa.
Foi uma das agentes, que se encontrava no local, que decidiu explorar a zona. Desviou uma das tábuas. Por baixo, viu uma placa de cimento que ainda se encontrava por solidificar. Espetou as unhas no cimento, tocando em algo macio. Decidiu escavar mais até expor uma perna humana.
A acções seguintes deixaram a descoberto 4 cadáveres, numa cova de cerca de 1.20m de profundidade.
Foram todos identificados como sendo Agnès Dupond Ligonnès, de 48 anos e 3 dos seus Filhos. Ali estavam Arthur de 20 anos, Anne de 16 anos e Benoît de 13. Com eles encontravam-se os 2 Labradores da Família.
Thomas, de 18 anos, foi descoberto do outro lado do terraço.
Os membros da Família estavam todos de pijama. Cada um tinha na mão ou uma estátua da virgem Maria, um crucifixo ou um terço. Cada cadáver tinha sido embrulhado num lençol ou cobertor e, posteriormente, dentro de um saco de plástico do lixo. Tinha as suas cabeças apoiadas nas suas almofadas, completamente ensanguentadas.
Juntamente com os cadáveres, encontrava-se uma espingarda calibre 22.
Agnès, Arthur e Anne tinham sido alvejados duas vezes na cabeça. Thomas apresentava 2 tiros no peito e 2 na cabeça. Já Benoît tinha sido alvejado três vezes na cabeça e duas vezes no peito. Os cães tinham sido também mortos a tiro.
Nenhuma das vítimas apresentava sinais de defesa. Isto apontava para a possibilidade de terem sido mortos enquanto dormiam. Para mais, com excepção de Agnès, todos apresentavam calmantes no no sistema.
Na residência, foram encontrados vestígios do sangue das vítimas numa esfregona, num balde e numa cadeira da cozinha. Os materiais que tinham sido usados para envolver os corpos não apresentavam quaisquer impressões digitais.
O cenário parecia indicar que a Família tinha sido morta na sua própria casa, muito possivelmente, na madrugada de 3 para 4 de Abril, após o jantar e cinema em Família. A máquina de apneia do sono de Agnés tinha sido desligada na madrugada de 4 de Abril pelas 3h30 da manhã. Anne tinha enviado a sua última mensagem às 00h30 dessa mesma madrugada. Dirigia-se a uma sua amiga próxima.
Apesar de todos estes sinais, os patologistas não conseguiram garantir a data das mortes, tendo sido dado um intervalo entre 1 e 11 de Abril. Para mais, existiram alguns testemunhos que afirmavam terem visto Agnès após o dia 4 de Abril.
Pelas datas dos acontecimentos, Thomas terá sido o último, sendo que não se encontrava em casa naquela noite. Foi persuadido por Xavier a retornar a casa no dia 5 de Abril e, provavelmente, a sua morte terá acontecido nessa data.
A Família Ligonnès tinha sido traída por um dos seus membros. Pelo próprio Marido e Pai, Xavier Dupont de Ligonnès. Era preciso encontrá-lo. Era o único suspeito de todos aqueles acontecimentos. A Polícia recorreu aos media, divulgado a sua fotografia na esperança de obter informações acerca do seu paradeiro.
No dia 22 de Abril, o homem foi avistado num hotel em Roquebrune-sur-Agen, a cerca de 1.000 km a sudeste de Nantes. Dias depois, foi gravado a levantar 30 euros numa caixa multibanco.


No meio de centena de dicas, as Autoridades receberam um telefonema que lhes captou a atenção. Tratava-se de Catherine, uma mulher que alegava manter uma relação amorosa com Xavier há cerca de 2 anos.
As suas alegações foram confirmadas por emails e mensagens trocadas entre ambos e Catherine tinha muito a acrescentar à história.
Tinham namorado durante a adolescência e tinham-se reencontrado online em 2008. Na altura, Xavier estava a passar por um período difícil, sendo que o seu Pai tinha falecido com uma embolia e, ao contrário do expectável, não tinha deixado dinheiro ao Filho.
A pedido de Xavier, em 2009, Catherine emprestou-lhe 50.000 euros em troca da promessa de que Xavier deixaria a esposa para ficar com Catherine. Mas Xavier não cumpriu.
Catherine chegou a pedir-lhe o seu dinheiro de volta de forma imediata mas Xavier respondeu-lhe que não tinha como pagar, que tinha 3 meses da renda em atraso e apenas 500 euros para sustentar a Família durante aquele mês. Para além disso, tinha o Estado atrás dele a cobrar-lhe dívidas de impostos em atraso.
Numa das cartas escritas por Xavier endereçadas a Catherine, o homem confessou estar no fundo do poço. Sofria de depressão, ansiedade e ataques de pânico e estava a ser inundado de ideias mórbidas. Confessou querer atirar-se para a frente de um camião. Assim, a sua esposa podia beneficiar dos 600 mil euros do seguro de vida. Acrescentou ainda que lhe passava pela cabeça drogar toda a sua Família antes de pegar fogo à casa para que morressem todos nas suas camas.
Catherine terminou a relação durante aquele ano e, em 2011, prosseguiu através dos canais legais para recuperar o dinheiro que lhe tinha emprestado. No seguimento deste processo, um avaliador ia visitar a residência da Família para listar os valores dos seus pertences. O homem bateu à porta dos Ligonnès no dia 5 de Abril de 2011, mas ninguém respondeu.
Entrevista de Catherine à Comunicação social:
https://www.francebleu.fr/infos/faits-divers-justice/affaire-dupont-de-ligonnes-j-espere-ne-pas-partir-avant-de-savoir-temoigne-catherine-enquetrice-1617380645
No dia 9 de Abril de 2011, ou seja, supostamente já após os assassinatos, Catherine recebeu outra carta de Xavier:
"Minha Catherine,
Antes de mais, gostaria muito que entendesses qual é o meu estado de espírito, quais são as minhas reais motivações, e que não me aches um manipulador, nem um hipócrita, nem um mentiroso, nem um vigarista.
Acho que já me conheces bem e que, se tenho algum defeito, é mais por excesso de franqueza ou por falta de "modéstia": abro-me completamente, conto tudo o que sinto, tudo o que vivo (de positivo e negativo.)
Provavelmente preferias que eu mantivesse algumas coisas escondidas, que eu não te incomodasse com as minhas preocupações, que eu conseguisse resolvê-las sem ti e que estivéssemos juntos numa pequena nuvem.
Infelizmente, estou numa situação impossível de momento: não posso sonhar por mais de uma ou duas horas e, outra vez, tenho que estar na cama e tu não podes ir ter comigo... (Na maior parte das vezes, não estou num sonho, mas sim num pesadelo... e não posso fugir, excepto, claro, de forma radical e definitiva.)
Comecemos pelo fim, ou seja, pelo meu desejo, pelo meu objectivo, pela minha motivação: Não só estar contigo nos próximos anos, mas também construir algo contigo, compartilhar projectos comuns.
Acredito que não é possível estabelecer um relacionamento duradouro apenas com discussões musicais ou literárias ao pequeno almoço e nos abraços da tarde... É muito, muito bom, mas acho que os casais que fazem isso, sem compartilhar mais nada, acabam por se cansar seguindo caminhos diferentes.
E não podemos ter projectos familiares, casas para construir, etc... É tarde ou já está feito.
Ainda temos a realização e implementação de projectos profissionais, e a altura de criar conceitos e de concretizá-los pode ser muito divertida e interessante.
Sei que estás muito relutante nesse assunto porque tiveste experiências desastrosas... mas só peço que imagines o que posso pensar: adoraria COMPARTILHAR CONTIGO um projecto comum.
Estou apenas a falar de compartilhar um projecto: não se trata de ser sócio de um negócio (com os problemas que isso pode causar em caso de falha), ou de ter uma relação patrão/empregado (com os problemas hierárquicos que daí podem resultar).
Cometemos um erro com este empréstimo no ano passado. O plano certo era o plano original que foi abandonado ao longo do caminho: terias que criar uma pequena Lda, sozinha, sem mim, de forma a permitir que não pagasses o 'Imposto sobre a Riqueza'.
(...)
O teu empréstimo de 50.000 euros permitiu-me libertar tempo todos os meses para me dedicar a este projecto e visitar restaurantes... sabendo que não ganharia dinheiro visitando-os, enquanto a rede não estivesse montada...
(...)
Mas o pior ainda estava por vir.....
Vamos à minha situação actual...
Como parecia bom, antes desta história de "valor nominal", eu dependia de rendimentos com a venda de Crystal Tickets e negligenciei os meus hotéis que me dão rendimentos directos: estava a formar Agentes Comerciais, visitei restaurantes, etc.... e só tive despesas... e poucas receitas...
E não consegui vender os meus Crystal Tickets... Porque não consegui fazê-los!
Além disso, os meses de Dezembro e Janeiro são tradicionalmente difíceis ao nível dos hotéis, que são o meu sustento: estão nos balanços, na preparação das férias e estão a fazer o fecho de ano!
Balanço patrimonial:
Estou arruinado, no fundo do buraco, como nunca estive.
Estou com 4 meses de renda em atraso, não consegui pagar a escola do Arthur, o meu carro avariou, fui obrigado a pedir à minha Mãe que comprasse as prendas de Natal para as crianças (e tenho que pagar), não consegui pagar as minhas taxas URSSAF e ASSEDIC, tenho novos oficiais de justiça atrás de mim, posso ser expulso de casa e não tenho dinheiro para terminar o mês de janeiro... embora possa fazer alguns contratos com os poucos hotéis abertos... Mas não tenho nem o suficiente para ir visitá-los de carro... excepto esta semana na zona de Versalhes (e todos os que estão perto já foram visitados e revisitados).
Até à data, restam-me 100 euros para as despesas de regresso a Nantes e 500 euros para compras de alimentos até ao final do mês. E eu tenho que teoricamente tirar 15.000 euros em 15 dias (arrendamentos, assedic, urssaf, mãe, escolas, seguros, água, etc...)... e só precisava de mais 10.000 euros para imprimir os meus Crystal Tickets, os envelopes e vendê-los!
E claro, não encontro ninguém que me avance 25.000 euros.
Não consigo dormir, tenho insónias quase todas as noites com ideias mórbidas (foder toda a gente da casa depois de dar comprimidos para dormir a todos, foder-me para que Agnès ganhe 600 mil euros), acordo todas as manhãs com ataques de ansiedade insuportáveis, alguns dos quais duram até meio-dia com dificuldade em respirar e batimentos cardíacos acelerados. Não conheço nada pior do que esses ataques de ansiedade. Nunca tive um colapso nervoso (pergunto-me como é, porque não conheço ninguém que possa passar por tanto stress quanto o meu e não cair em depressão ou suicídio imediato).
E o pior é que estou furioso porque só vou ganhar 25.000 euros por mês nos próximos 5 meses para tudo se resolver e para eu começar uma nova vida: 10.000 euros para ti, 10.000 para as minhas despesas habituais e 5.000 para me ajudar a pagar a minha dívida.
(...)
Vês, meu amor, não te menti quando disse por mensagem de texto que não era razoável ir visitar-te este mês.
Mas usei os meus últimos cartuchos para "viver" e passar um último momento de prazer nos teus braços (e não tinha calculado esta maldita neve que me obrigava a pagar uma noite num quarto de hotel em Le Mans: cada euro no meu bolso conta...)
Foi por isso que ontem não quis falar de trabalho: não queria desperdiçar o nosso momento delicioso, e não queria pensar em nada.... Stress e ansiedade não são muito compatíveis com erecção... Não estive no meu melhor, mas ainda estou muito feliz por ter conseguido dar-te um pouco de prazer (o meu estado de stress explica em parte que não tenha mais atividade sexual... embora, claro, esconda a realidade de Agnès... que ainda vê que isto não vai a lado nenhum... Ela vê-me a beber em demasia e a levantar-me encharcado de suor de angústia no meio da noite, todas as noites.)
Deves estar extremamente decepcionada com esta carta: estavas à espera do Zorro ou Tarzan que teria conseguido restaurar o seu brasão.... E deparas-te com um homem esmagado que só pode ser salvo por ti... E suspeitas que esse homem se presta à manipulação, chantagem sentimental, etc...
No entanto, este não é o caso. Ainda pesco, ainda consigo fazer projectos e realizá-los... mas quero realizá-los contigo e graças a ti.
Não quero mais esta vida familiar com Agnès de quem já não gosto. Os meus filhos estão quase todos crescidos e dois deles já moram sozinhos, moralmente independentes (mesmo que seja eu a pagar).
Quero uma nova vida... e não consigo imaginá-la sem ti.
De qualquer forma, a minha vida actual terminará nos próximos meses se não conseguir encontrar imediatamente 25.000 euros: não posso continuar a viver sem pagar renda, luz, água, escolas, Urssaf, etc...
Sei perfeitamente que podes adiantar-me estes 25.000 euros e adicioná-los à minha dívida atual... mas nem consigo imaginar a tua expressão ao leres esta carta.
Deves estar cheia de decepção, de nojo, e deves até imaginar que eu te manipulei para organizar o nosso dia de ontem para te pedir dinheiro emprestado...
Só espero que te lembres que foste tu quem me mandou umas mensagens de texto gostosas no final do ano e que foste tu quem propôs o nosso encontro de ontem... Não fiz nenhuma manobra para reavivar os teus sentimentos de forma a brincar com o teu coração...
Nunca te teria contado isto e nunca te pediria que me salvasses (porque desta vez é simplesmente um RESGATE, ao contrário do ano passado) se não nos tivéssemos encontrado ontem e se eu não tivesse este desejo de um futuro contigo.
Provavelmente terias recebido um cheque em julho, enviado pelo Emmanuel.
Estou com a cabeça submersa, meu amor, acho que entendeste. É por isso que eu estava a dizer por mensagem de texto que não desejo que ninguém sofra como eu estou a sofrer.
Esta carta foi muito difícil de escrever e talvez marque o fim da nossa história... ou o seu verdadeiro começo.
Ofereço-te, nada mais nada menos, do que me esqueceres para sempre e esperares pelo pagamento que será feito de uma maneira ou de outra... ou dares-nos uma terceira e real chance de pertencermos um com o outro: ajudas-me no futuro imediato, montas um negócio em breve, realizamos juntos alguns dos meus projectos que são obviamente viáveis, mas requerem financiamento, e vivemos a nossa atracção mútua e os nossos sentimentos...
A questão é se és capaz de respeitar e admirar um homem que teve sucesso não só graças a ti, mas também CONTIGO...?
E és capaz de amar um homem que está numa situação catastrófica e precisa da tua ajuda?
Perguntaste-me por mensagem esta manhã se eu estava bem... Eu respondi a verdade: "Sentimentalmente sim... maravilhosamente feliz" (desde ontem) Mas eu devia ter acrescentado: "Fora isso, muito, muito mal. Tenho medo de todas as noites e sinto-me afundado."
Termino a dizer novamente que te amo e peço que não vejas nenhuma manipulação nesta carta: não estou em condições de manipular ninguém. Só posso apontar a minha situação abominável, com toda a humildade e com toda a minha honra. Consegui conduzir o meu barco, sem rede, durante 20 anos... e aí tive azar (maldita mudança de IVA) e afundei-me: preciso de muita ajuda e urgente. Não consigo sobreviver sozinho, reconheço isso mesmo que o meu orgulho sofra um grande golpe.
Amo-te, minha Catherine."

Entrevistas com Familiares e Amigos revelaram que, em 2005, Angès tinha desenvolvido uma relação bastante próxima com um dos melhores amigos de Xavier. Apesar de nunca se terem tornado físicos, Xavier e Agnès entraram numa espiral levando-os a separarem-se, ainda que, por apenas 6 meses. Após esse tempo, decidiram reatar o casamento e fazer com que resultasse.
Mas, para além das infidelidades e dos problemas financeiros, o Casal afastou-se espiritualmente.
Enquanto Agnès era uma católica devota, assistindo à missa todos os domingos, Xavier estava cada vez mais afastado de qualquer tipo de religião. Inclusive, quando Agnès pagou 3 mil euros a um guru religioso, Xavier enfureceu-se. Obviamente que a esposa não tinha conhecimento do sufoco financeiro em que se encontravam.
Segundo o Padre da paróquia, a quem Agnès confessava os seus problemas e a quem recorria para aconselhamento, as tensões entre o casal eram tais que o divórcio parecia inevitável.
Em Dezembro de 2010, 4 meses antes dos homicídios, Xavier inscreveu-se num campo de tiro. Informou os funcionários que tinha herdado uma espingarda calibre 22 do seu Pai e que pretendia obter a sua licença de porte de arma.
Em Fevereiro de 2011 obteve a licença, continuando a frequentar o campo, ora alugando armas de lá, ora treinando com a sua espingarda.
No mês anterior aos assassinatos, Xavier adquiriu um silenciador para a sua arma e munições. Também visitou o campo com maior frequência, incluindo nos dias 26, 28 e 30 de Março e no dia 1 de Abril.
Continua sem saber-se, ao certo, as datas das mortes dos membros da Família Ligonnès. Nem sequer quais os acontecimentos que levaram este homem a cometer estas atrocidades.
Apesar das centenas de dicas, nenhuma delas levou a Polícia ao paradeiros do suposto assassino. Certo é que 4 membros desta Família foram traídos, no interior e segurança da sua própria casa. Traídos por quem os deveria ter protegido. Por uma das pessoas que mais amavam e respeitavam.
Xavier Dupont de Ligonnès, aparentemente, continua a monte.
Data de Nascimento: 9 de Janeiro de 1961.

